Em direção à fortaleza
Obtendo o seu Trindade Áudio jogador pronto...
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Sem dúvida, os tempos atuais são marcados por fraquezas. O destino inequívoco das gerações atuais é a incapacidade e o consequente fracasso. O psicólogo americano Jonathan Haidt já disse isso em ““O mimo da mente americana” (2018): as novas gerações adotaram três regras como dogmas, e estou apenas parafraseando: “o mundo está dividido entre o bem e o mal”; “minha subjetividade é a fonte da minha suposta certeza” e; Por último, embora seja precisamente o mais importante para o problema em questão, “o que não me mata, torna-me mais fraco”. Hoje, cada situação normal e cotidiana da vida é uma oportunidade para nos sentirmos ofendidos e mostrarmos nossa fragilidade. Portanto, o espaços de segurança São abundantes nas escolas, universidades e locais de trabalho; São necessários espaços onde possamos escapar da realidade, daquela que nos angustia a cada recusa que nos é imediatamente atirada, a cada tentativa de subvertê-la. A esquerda, seja a esquerda clássica ou a sua versão pós-marxista de sessenta e poucos anos, tem procurado promover uma agenda política alinhada, precisamente, com esta fraqueza. Tenta-se promovê-lo, consolidá-lo. Quanto mais desamparadas as pessoas estão, mais necessitadas elas são da agência estatal, dos políticos e dos seus dons. A direita, especialmente a sua versão fukuyamiana, como indica Juan Cristóbal Demian em “Nova direita: uma alternativa em andamento”(2020), infelizmente, não encontra forma de reverter essa situação. Ele nem sequer está, ouso dizer, consciente do problema. Como Axel Kaiser atestou em “A ignorância fatal”(2009), o que reina na direita é a anorexia cultural e esta situação não tem permitido que este sector esteja atento ao que está a acontecer.
No entanto, um determinado sector da direita, não o pervertido, mas o mais genuíno, já há algum tempo que levanta a cabeça e, aliás, os punhos, não se deixando enganar pela agenda que os governos internacional e nacional esquerda promove. E, não há dúvida, tem procurado uma forma de regressar a certas orientações básicas que, suspeita-se, podem reavivar a força que, em algum momento, caracterizou o sector. De minha parte, apontei um caminho que pode nos levar ao caminho certo, uma forma de criar a consciência histórica necessária para configurar um perfil completo do homem de direita, dentro do qual não só se enquadra, mas é imperativo que haja força, entre outras características que devem acompanhá-la[1]. Apesar do cunho histórico-filosófico que o meu projeto promove para a direita, há também expressões literárias que ilustram esse percurso. Especificamente, no que diz respeito à fortaleza como virtude, gostaria de iluminar o caminho através da canção do poeta romano Publius Virgilius Maron, ou simplesmente Virgílio, e do seu grande ópera, o "Eneida”(entre 29 a.C. e 19 a.C.), poema escrito para enaltecer as glórias de Roma e a chegada de Otaviano ao poder, mas que, desta vez, exaltará com suas métricas o caminho indicado para o despertar de uma direita literalmente fortalecida. Deixemos então que as aventuras da viagem de Enéias sejam os faróis que iluminam o caminho.
Primeiro, devemos começar contando a gloriosa história do príncipe troiano. Isso começa perto da ilha da Sicília. Depois de navegar durante anos seguindo os destinos que a fundação da linhagem romana lhe reservou, aproxima-se finalmente das terras da península. Porém, a deusa Juno, ciente do destino alegre que aguarda os troianos, tenta impedir a sua chegada. Para atingir seu objetivo, ele pede a Éolo que use seus ventos para fazer naufragar os fugitivos. O deus concorda em ajudar a divindade caprichosa e ferida, e os troianos acabam se dispersando no mar. Quando Netuno, deus do Mar, sabe disso, sente-se insultado e ajuda os marinheiros a chegarem a praias mais seguras, especificamente à Líbia. Ao chegarem em águas mais calmas, Vênus, mãe de Enéias, aparece-lhe na forma de uma virgem espartana e informa que as terras onde estão pertencem à rainha Dido. Então, o príncipe troiano, ciente da história pessoal da rainha, dirige-se à cidade, enquanto alguns de seus companheiros já estão lá, pedindo abrigo e ajuda a Dido para procurar Enéias. Quando ele aparece inesperadamente, e após uma primeira impressão muito favorável, Dido o acolhe junto com o restante dos troianos. Após a chegada dos troianos aos reinos de Dido, e com a intenção de que não haja grandes conflitos entre ela e Enéias, a deusa Vênus pede a Cupido que tome a forma de seu sobrinho materno, Ascânio, o suplante e incuta no amor reina para o herói. Convencido, então, o deus do amor instila na rainha um afeto apaixonado pelo filho de Anquises, mas isso a conflita, pois ela havia prometido a si mesma nunca mais se casar nem se submeter novamente a um homem. Durante o banquete em homenagem aos recém-chegados, porém, Dido, encantada, pede a Enéias que conte seus infortúnios.
É neste preciso momento do poema que tomamos conhecimento de todas as aventuras que o herói troiano teve de passar para chegar lá.
A história que Eneias conta começa com o aparecimento do cavalo de Ulisses na praia de Tróia, que, juntamente com outros soldados gregos, se esconde no seu interior, enquanto o resto das tropas gregas estão estacionadas na ilha de Ténedos. Os troianos, ignorando o engano e as advertências de Laocoonte, acreditam que os gregos fugiram e trazem o cavalo para sua cidade como uma celebração do aparente triunfo. Quando chega a noite, os do Peloponeso deixam o cavalo de madeira e abrem os portões da cidade para a entrada dos outros gregos, sujeitando Tróia ao desastre. No momento em que começa a destruição, o príncipe Heitor aparece em sonhos a Eneias, que anuncia o fim de Tróia e ordena-lhe que corra para o seu povo e para as relíquias da cidade. Decidido a não partir sem lutar, ele sai em busca do palácio de Príamo e contempla a morte dele e de seu filho, Polites. Da mesma forma, em meio ao caos, ele vê Helena e, cheio de raiva, se prepara para puni-la por atribuir a ela a causa da guerra. Porém, Vênus diz a ela para se conter, pois os verdadeiros culpados de tudo são os deuses, não ela. Enéias então procura e encontra seu pai, Anquises, e seu filho, Ascânio. A princípio, seu pai não quer ir embora, até que um presságio divino o convence. Então, eles escapam da cidade em chamas. Porém, no processo de fuga, perde de vista a esposa, Creúsa, que, finalmente, é mais uma vítima do massacre aqueu. Enéias perde a esperança de encontrá-la, embora a procure desesperadamente. Em última análise, a sombra dela aparece para ele, revelando-lhe que seu destino é a fundação de Roma. Pela mesma razão, e seguindo fielmente o destino divino, Enéias retorna ao seu povo e prepara o necessário para a partida.
Já em marcha, Enéias chega à cidade dos trácios, que considera aliados. Nessas terras ele quer fundar a nova cidade, mas, ao acender a fogueira sacrificial que pedirá bons presságios, arranca alguns galhos que começam a sangrar. Uma voz soa de dentro do monte e avisa que o rei da Trácia não é aliado, mas é a favor dos gregos. Os viajantes decidem deixar o local. Então, eles direcionam seus passos para Delos. Lá os oráculos de Apolo lhes revelam que terão que fundar uma nova cidade onde viveram seus ancestrais, afirmando que as próximas gerações de troianos serão as únicas a dominar o mundo. O futuro promissor de Roma está latente. Porém, Anquises fica confuso e pensa que o oráculo se refere a Creta, local de culto da deusa Cibele e terra onde Júpiter estava escondido. Então, é para lá que eles vão. Chegados à ilha, fundaram a cidade de Pérgamo. Porém, depois de um certo tempo, ocorre uma forte seca e homens e animais morrem. Mais tarde, os Penates, deuses da cidade de Tróia, aparecerão em sonhos para Enéias, comandados por Apolo. Deles saberá que as terras referidas pelo oráculo de Apolo são do Lácio. Os troianos voltam ao mar e, após enfrentar as harpias e passar perto de Ítaca, Enéias descobre que um filho de Príamo, Heleno, casou-se com Andrômaca, viúva de Heitor, que, após a morte de Príamo, herói troiano, havia sido concubina de Pirro, mas agora reinava em Butrinth, uma cidade próxima. É para lá que os Trojans irão. Já no palácio, Heleno prevê a Enéias que de fato chegará à Itália, mas que, para se estabelecer definitivamente, terá que sofrer um pouco mais, já que ali viviam gregos. Além disso, ele o aconselha a tomar cuidado com Cila e Caríbdis, formidáveis monstros marinhos, e a ouvir o oráculo da Sibila de Cumas, que será de grande ajuda em seus propósitos. Seguindo o conselho do filho de Príamo, os troianos passam pelas montanhas Ceraunias e, antes de seguirem para a Trinácia, oferecem sacrifícios a Juno e Minerva. Já perto do Estreito de Messina, tentando evitar Cila, quase acabam dizimados por Caríbdis, mas o redemoinho da fera os impulsiona para o mar, e assim, perdidos, chegam à costa dos Ciclopes, uma ilha de do qual eles felizmente escaparão. Infelizmente, embora continuem a viagem, passando por Ortígia e depois pelo porto de Drépano, morre o seu pai, Anquises.
É depois da história desse triste acontecimento que Enéias permanece em silêncio e termina de relembrar os acontecimentos de sua viagem. Então, a rainha Dido decide compartilhar seus sentimentos com sua irmã Ana, a quem conta seu dilema, já que se apaixonou perdidamente pelo herói troiano, mas continua respeitando a memória de Siqueu, seu falecido marido, morto por seu irmão. . A irmã a incentiva a seguir em frente com seu amor, pois, desde que ficou viúva, rejeitou muitos pretendentes e não tem sido feliz. Esta última chega aos ouvidos de Juno, que decide aliar-se a Vênus para que Enéias, por sua vez, se apaixone por Dido, com a intenção de que ele nunca chegue à Itália e fique em Cartago, para sempre. Vênus aceita a proposta e eles traçam um plano juntos para que ambos consumam o hymeneum. Então, um dia, Enéias e Dido vão caçar. Durante a partida, as deusas enviam uma grande tempestade. Enéias e Dido se refugiam em uma caverna e demonstram seu amor. O boato se espalha e a notícia do encontro amoroso chega a Iarbas, rei da Numíbia, pretendente rejeitado de Dido, que, enfurecido, implora a Júpiter que não permita que Enéias fique com ela. O deus do trovão e dos céus o escuta e, temendo que Enéias interrompa sua viagem à Itália, envia Mercúrio para lembrá-lo de que seu destino é fundar Roma. O troiano, demonstrando força e coragem, convence-se a não atrasar mais a viagem, mas não sabe como avisar a rainha, por isso decide ordenar aos seus soldados que preparem silenciosamente a frota. Mas os rumores voltam a voar e Dido descobre o que está acontecendo. Quando vai censurá-lo e implorar que fique, o troiano não cede, argumentando que seu destino já está decidido. Dido, embora não satisfeito com os seus motivos, permite a sua partida, mas, ao fazê-lo, pede à irmã que o convença a zarpar com vento favorável e em melhores condições meteorológicas, para poupar tempo.
A dor que a partida de Enéias causa a Dido a leva ao suicídio e ela elabora um plano secreto com a ajuda de uma sacerdotisa para realizá-lo. Mercúrio visita Enéias novamente em seus sonhos, acelerando sua partida. Dido descobre e coloca em ação o que foi planejado. Ele constrói uma grande pira com objetos de Enéias, cercada de altares e sacrifícios, sobe nela e enfia no peito dolorido a espada que Enéias lhe deu. No meio do discurso da morte ele grita, clama por um vingador, que marcará as futuras relações entre Roma e Cartago. Já zarpando, Enéias vê do mar a chama acesa no litoral da cidade e lamenta, pois sabe do que se trata.
Aqui podemos parar para refletir, pois encontramos os primeiros sinais de uma força infalível, talvez uma das mais claras que o livro nos oferece. Até agora nos concentramos na história do Trojan e nas aventuras que ele enfrentou para seguir o destino que lhe foi designado. Contudo, não havíamos parado no motivo pelo qual o herói segue os postulados dos deuses, mesmo contra a sua própria vontade. Ser forte não é apenas uma questão física, o que Enéias demonstra inquestionavelmente. Ao fugir de Tróia, o primo de Heitor mostrou sinais inconfundíveis de sua força física e assassinou todos os aqueus que enfrentou para salvar seu povo, embora não tenha conseguido salvar a cidade. Porém, como já sabemos, ele conseguiu conter seu impulso de raiva contra Helena e, ouvindo sua mãe, Vênus, e sua falecida esposa, Creúsa, retirou-se do campo de batalha. Conter-se, poder qualificar o desejo de vingança, já é um sinal total de força. Aceitar a morte da esposa também foi importante, e a do pai, a caminho do Lácio, é ainda mais importante. Mas, talvez, uma demonstração ainda mais portentosa disso seja o fato de ele ter deixado Dido para seguir os postulados dos deuses. É difícil compreender completamente por que tal ação é empreendida a partir de uma mentalidade moderna, ou pior, pós-moderna. Uma vez instalados os postulados kantiano e rousseuniano na mente moderna, nos convencemos de que nosso destino é controlado por nós mesmos, por nossas decisões, que não encontram obstáculos heterônomos, especificamente, das vontades alheias.
Salvo certos constrangimentos éticos, a nossa vontade é total, ainda mais entendendo que estas normas morais nada mais são do que o resultado do imperativo categórico que encontramos em nós mesmos e que deve passar, para além de certas formulações mais complexas, simplesmente através de um teste construído da nossa subjetividade. Immanuel Kant já disse isso em Fundamentos da Metafísica da Moral (1785): agir de acordo com sua máxima pode se tornar uma lei universal. Por outro lado, a mentalidade antiga não é ideológica, não segue estes postulados, pois não assume o homem e as suas ideias subjetivas acima da realidade; Pelo contrário, oferece uma visão de mundo, o que implica colocar o ser humano “em relação” com os outros e com a própria alteridade, ou seja, com o conjunto do que “é”. Enéias participa plenamente, compreendendo-se em relação à alteridade, representada pelos deuses que, embora a seu capricho tenham conduzido os troianos e os aqueus à batalha, agora detêm um destino glorioso para o herói. É claro que não é que Kant tenha proposto um sistema ético totalmente subjetivista, mas, conceitualmente, ele lançou as bases para o niilismo tão típico da nossa época. Pelo contrário, a força de seguir o caminho, de se projetar em um mundo que te exige, assumir o desafio, marcar seu objetivo de virtude como o arqueiro faz com sua flecha, é o que é plenamente ético, mesmo acima de seus desejos banais imediatos , como seria continuar nos braços de Dido.
Iremos nos aprofundar nesta ética profundamente antiga e, portanto, cheia de força mais tarde, quando ilustrarmos melhor a imagem virtuosa que Eneias representa.
Ao partirem das terras da Líbia, os viajantes, após vencerem outra tempestade, chegam a Trinacia. Nessas terras, Acestes os recebe. Enquanto estão lá, já se passou um ano desde a morte de Anquises, e Enéias realiza seu funeral, durante o qual faz os devidos sacrifícios e jogos em homenagem ao homem caído. Enquanto isso, Juno envia Iris, uma mensageira divina, para inspirar as mulheres troianas a não viajarem mais. Para cumprir seu objetivo, Iris assume a forma de um deles e conta que Casandra, esposa de Heitor, apareceu para ela em seus sonhos, que lhe pede para queimar os navios, pois eles já alcançaram o objetivo da viagem, e cumpre o objetivo encomendado pela esposa de Júpiter, iniciando ela mesma o incêndio dos navios de Tróia. Os troianos veem as chamas, e Ascânio, filho de Enéias, aproxima-se com sua montaria e consegue argumentar com as mulheres. No entanto, vários navios continuam em chamas. Enéias implora a Júpiter e faz chover, salvando alguns navios. Por fim, o herói troiano decide fundar uma cidade para quem quiser ficar; Porém, ele tem dúvidas e, a princípio, ele próprio não quer continuar.
Um dos aspectos mais gráficos de ser forte também tem a ver com reconhecer os momentos de fraqueza, sendo capaz de ajudar-se com os outros para não vacilar na sua companhia.
Pelo mesmo motivo, naquela noite lhe aparece em sonhos seu pai Anquises, que lhe recomenda que continue rumo ao Lácio, embora com seus melhores homens, deixando para trás aqueles que querem ficar, pois nestas terras será necessário derrotar um pessoas guerreiras, por isso é aconselhável que apenas os mais aptos vão. Além disso, ele pede a Enéias que o visite no submundo. Para lá chegar, Eneias terá primeiro de consultar a Sibila de Cumas, aquela mencionada por Heleno, e oferecer os respetivos sacrifícios. Enquanto os próximos passos começam a ser traçados, Vênus reza a Netuno para que os troianos não sofram mais males em sua jornada, e o deus do mar promete a ela que chegarão aos portões de Averno, mas com apenas um homem a menos, que o fará. aparecer como um Trojan de sacrifício para o benefício da sua empresa. Então, Palinuro, que está no comando durante a viagem, cai na água, enquanto os demais dormem. O navio fica à deriva, mas Enéias acorda e corrige o rumo bem a tempo.
Ao chegarem a Cumas, a Sibila, após completar os ritos, leva Enéias às terras de Plutão, atravessando uma floresta e as perigosas correntes do Aqueronte. Já navegando, avistam a caverna de Cérbero, os juízes dos mortos e os campos chorosos. Para surpresa de Enéias, eles também veem a Rainha Dido, e ele novamente lamenta o que aconteceu. Ele aproveita para lhe pedir perdão, mas ela não responde. Talvez este seja o pior golpe para Enéias, mas ele continua seu caminho, apesar da dor causada pela expressão fria da rainha. Depois de um tempo, eles chegam às afortunadas florestas de Averno e lá procuram Anquises. Após um encontro nostálgico, seu pai lhe conta que as almas boas, depois de mil anos, perdem a memória e são mandadas de volta à terra em outros corpos. Além disso, Anquises prevê a grande linhagem que Enéias terá: seu filho Sílvio, que nascerá de sua esposa Lavínia, devido à guerra com os latinos; Rômulo e Remo, Júlio César e, claro, Otaviano. Ele também conta a ele sobre as batalhas às quais será submetido. O futuro glorifica a campanha de Eneias, promete-lhe um legado, portanto, continuará no seu caminho, com força e determinação. Por fim, o herói troiano regressa ao local onde os seus companheiros o esperam e dirigem-se ao porto de Cayeta em direção ao Lácio.
Finalmente, depois de um longo passo, chegam às terras de Latinus, pai de Lavinia, filha que está, no momento da chegada dos troianos, noiva de Turnus, rei dos rutulianos, embora tenha sido previsto que ela não se casará com ele. , mas com um estrangeiro. Enéias envia cem emissários à corte do rei Latino, que os recebe. Em nome de Enéias e contando com oráculos, Ilioneus, o sacerdote do rei, pede-lhe algumas terras onde os troianos possam se estabelecer. Latino reconhece Enéias como o genro prometido pelos oráculos e pede aos troianos que o herói venha pessoalmente. Enquanto isso, Juno, que não aceita que os Trojans sejam portas de anúncios Para cumprir seu destino, ele envia Alecto, uma das Fúrias, para semear a discórdia entre os povos. Com uma de suas cobras, Alecto injeta as fúrias em Amata, esposa do rei Latinus, e ela confronta o marido para que ele não dê a mão de Lavínia a Enéias, mas a Turnus, a quem concede sua bênção. Vendo que Latino não muda de ideia, Amata esconde Lavinia. Depois, Alecto vai para Ardea, cidade onde reina Turnus, para despertar no monarca o ódio a Eneias como usurpador da mão prometida. Agora só falta a faísca para acender a fogueira, e Alecto encontra sua oportunidade quando Ascanio caçava veados em terras latinas. Os cães de caça de Ascanio conduzem seu dono, influenciados por Alecto, na perseguição de um cervo de um latino chamado Tirreo. Quando os latinos souberam desta afronta, travou-se uma batalha, resultando em diversas vítimas e pediram ao seu rei que declarasse guerra, mas ele resistiu. Em seguida, o rio Tibre fala com Enéias e recomenda que ele busque alianças com outros povos, como os Palantei, cuja cidade ele pode alcançar justamente seguindo o curso de suas águas, mais acima. Enéias então chega diante do rei da cidade, Evandro, e de seu filho Pallas, inicialmente solicitando ao rei que estabeleça uma aliança para enfrentar os rutulianos. Evandro aceita. Observando que a guerra é inevitável, Vênus pede a Vulcano que faça armas melhores para Enéias, que recebe maravilhado esse presente divino.
Os tambores da guerra já ressoam em uníssono. Juno envia Iris para levar Turnus para a batalha, informando-o que os troianos estão sem seu líder. Enéias ordenou que seu povo se refugiasse atrás da paliçada caso fosse atacado. Turnus então tenta atear fogo à fortificação e também aos navios restantes. Alcançando o segundo e cercando o assentamento troiano, o rei Rútulo pensa que os troianos não conseguirão mais escapar e pede às suas tropas que descansem. Percebendo isso, Niso e Euríalo pedem permissão para ir em busca de Enéias. A primeira abre caminho matando alguns Rútulos que estão dormindo. No caminho, o segundo fica para trás na ânsia de matar os exércitos inimigos e é capturado. Avisando isso, Niso retorna para resgatar seu amigo, confia-se a Apolo e mata vários rutulianos; No entanto, ambos morrem na briga. As cabeças dos dois Trojans são exibidas. Encorajados por este triunfo moral momentâneo, os Rútulos conseguem romper as defesas e começa uma batalha sangrenta entre os dois exércitos. Em determinado momento, Turnus é cercado pelos troianos sem poder ajudá-lo, desta vez, Juno, mas ele se joga no rio e se salva de ser baleado. Júpiter, vendo como Juno intervém em detrimento dos troianos na batalha, proíbe a participação dos outros deuses. Sua filha Vênus pede misericórdia para os filhos de Tróia e Juno implora por si mesma. Então, o filho de Saturno, assim como no episódio da maçã, decide que não irá favorecer ninguém. Enquanto isso, Enéias chega navegando com as alianças firmadas. Turnus não para antes de sua chegada e inicia uma dura luta.
São os momentos de maior tensão da história. É sabido que o destino trouxe o triunfo de Enéias. Contudo, não se sabe como isso pode ocorrer.
O Rei Turnus é imparável e, com a ajuda de Juno, é ainda mais. Isso fica evidente quando ele mata Palante, confiscando algumas de suas armas e armaduras. Cheio de raiva, Enéias mata muitos rutulianos ao perceber a morte do filho de Evandro, de quem ele gostava. Então, Juno teme a morte de Turnus e pede a Júpiter que adie sua morte. Ao não receber resposta, ela mesma assume a figura de Enéias e, confundindo Turnus, faz com que ele a persiga e o leva para um lugar seguro. Turnus, percebendo o engano, tenta refazer seus passos, mas a deusa não permite. Após a fuga de Turnus, Enéias envia o corpo de Pallas para seu pai. Emissários latinos chegam então pedindo uma trégua para que possam enterrar seus mortos, com o que o herói troiano concorda.
Note-se a força e a nobreza de Enéias em respeitar os ritos próprios, estando tão perto de realizar seu destino e sendo vítima de um ódio furioso contra aquele que assassinou Palas. Manter a compostura moral, como já alertamos, também faz parte da força, aquela que vem do caráter, ética do homem virtuoso.
Ao receber o corpo do filho, Evandro lamenta, mas não questiona o apoio dado a Enéias. Já no reino de Latinus, embora alguns ainda sejam a favor de Turnus, outros pedem que a mão de Lavínia seja definitivamente entregue ao troiano Enéias. Latinus agora quer parar a guerra, mas Turnus se opõe e promove novas batalhas. Os troianos, num movimento ousado, aproximaram-se das muralhas latinas e a luta recomeçou. Somente o anoitecer interrompe a batalha. Diante da situação perigosa, Latinus e Amata pedem a Turnus que pare a guerra, mas ele, ainda apaixonado por Lavinia, e orgulhoso, envia uma mensagem a Enéias, desafiando-o para um combate corpo a corpo. Enéias aceita. Porém, ninguém esperava um novo truque da deusa Juno. Desta vez ela manda a irmã de Turnus, a divina Juturna, para incitar a quebra do acordo que está assinado, pois sabe que Turnus é menos habilidoso com armas do que Enéias. Em seguida, enquanto os juramentos são feitos para a batalha final entre Turnus e Enéias, Juturna assume a forma do guerreiro Camertus e pressiona os rutulianos a intervir. Enéias, chateado, se opõe à quebra do acordo, solicitando o combate. De repente, ele é ferido por uma flecha que ninguém sabe quem atirou, então Ascanio o leva para um local seguro, retirando-o do campo de batalha. Vênus, vendo que Juno não segue as regras de Júpiter, inspira o idoso Iapyge a curar Enéias. O herói troiano recupera então todas as suas forças e retorna à batalha. Os rutulianos fogem diante de seu ataque, embora Enéias procure apenas Turnus, que também busca o combate, mas sua irmã Juturna, dirigindo a carruagem que o transporta, o impede. Para superar o transe, Enéias dirige-se à cidade com a intenção de queimá-la. Quando Turnus descobre, ele se livra da irmã para ir em busca de Enéias, e Enéias, ao saber que seu adversário se aproxima, dirige-se ao seu encontro. Já em combate, a arma de Turnus quebra, então ele começa a fugir do encontro. Enéias o persegue, mas sua lança fica presa entre as raízes da árvore divina dos latinos. Vênus desembaraça a lança e, por sua vez, Turnus recupera sua espada. O combate recomeça com toda a justiça. Enquanto dura a luta, Júpiter pergunta a Juno o que ela espera de tudo isso. A deusa, aparentemente cansada, aceita o destino dos troianos e deixa descansar o seu ódio, mas pede que, quando o povo se unir aos latinos, o nome dos primeiros desapareça. Júpiter concorda. Enquanto isso, Enéias assedia Turnus e ele começa a sentir um medo que não sentia antes. Enéias então o fere com sua lança. Já rendido, o rei dos rutulianos pede misericórdia a Enéias. O troiano lamenta, hesita, mas percebendo que Turnus está usando as armas de Pallas, ele enfia sua espada profundamente no peito de Turnus.
Havíamos comentado que havia uma força profunda em Enéias. Ele demonstra isso ao sair de Tróia, seguindo o conselho de Heitor e Creúsa. Ele faz isso aceitando a morte de seu pai, Anquises, e partindo o coração da rainha Dido. Cada passo que dá, ele o faz sabendo que deve aceitar seu destino inexorável. Internalizar que o seu destino não está inteiramente em suas mãos, mas sim no que significa a sua vocação, implica muita força. Ortega y Gasset explica isso de forma imbatível em Pedindo um Goethe de dentro (1932): pode-se recusar terminantemente seguir a própria vocação, mas então não se é autêntico. Partir desse caminho é precisamente o caminho que percorreram as novas gerações mimadas, aquelas de que fala Haidt e que o filósofo espanhol aponta como profundamente imbuídas do espírito de mediocridade, atitude típica de quem não assume o caminho indicado. O mundo nos chama e é pelos corajosos, pelos que abrigam o espírito de nobreza, sentindo-se obrigados pelas circunstâncias. Eneias sente-se obrigado, para além dos seus apetites e para além do seu possível arrependimento, a tomar as decisões que o levarão à sua “terra prometida”. O herói troiano pode se sentir culpado pela morte de seu pai, arrependido por ter abandonado seu povo enquanto luta contra os latinos em busca de se casar com Lavínia, que não conhece. Poderia, em termos simples, conformar-se à moralidade dos escravos, como diz o filósofo alemão Friedrich Nietzsche em Sobre a Genealogia da Moral (1887) e, demonstrando fraqueza, prefere o caminho mais fácil, concorda com Turnus e foge de seu destino. O nosso contexto cultural atual incentiva isso no Ocidente. Somos presas fáceis da fraqueza e nos inclinamos para os nossos desejos e fraquezas, em vez de escolher o caminho do herói, o caminho do esforço e da dedicação. Por esta razão, o psicólogo canadiano Jordan Peterson pede-nos que reflictamos e exorta-nos a perseguir o que é significativo, e não o que apenas nos convém, porque ele entende em 12 regras para a vida (2018) que, longe da figura de Eneias, não somos capazes de assumir a nobreza da obrigação, e nos rendemos às garras do niilismo tão típico da nossa era decadente: nem sequer somos capazes de parecer fortes. Não podemos ficar em pé, nem colocar os ombros para trás, nem assumir o controle de nós mesmos como se dependessemos de nós mesmos, pois não somos fortes. Ordenar-nos antes de criticar o mundo, agir como deveríamos, em prol da virtude, é simplesmente impossível nos dias de hoje.
Em suma, a figura de Enéias deveria nos chamar à reflexão. A ética moderna abriu as portas ao reinado inexorável da subjetividade, rompendo todos os laços com a realidade, que, pelo seu presságio, exige que atuemos como devemos. Nossas circunstâncias nos pedem para agir de acordo. Um dos valores primários que devem reger o nosso reencontro com a ética fundamental, a das virtudes heróicas, é a fortaleza. O poeta romano Virgílio, buscando exaltar a figura do imperador Otaviano e as origens do Império Romano, acabou ilustrando da melhor forma aquela virtude de que tanto necessitamos nos dias de hoje. A verdadeira direita, se quiser constituir um verdadeiro muro contra a decadência cultural da esquerda, deve começar por iluminar-se com os clássicos. Que este ensaio seja um convite para nos fortalecermos, tanto fisicamente quanto na formação do nosso caráter. Este último, sem dúvida, é o mais importante.